quarta-feira, 5 de junho de 2013

O Choque - Mirella


[Young Woman Sewing in a Garden - Berthe Morisot - 1881]

Fomos almoçar na casa dos meus tios e pouco depois de comermos senti falta de minha prima na sala. Perguntei a minha tia, ela disse que Evna devia estar no quarto — ou em algum outro lugar — “entocada”.

— Aconteceu alguma coisa tia?

— Eu não sei, essa menina anda muito estranha ultimamente.

Estava indo bater na porta do quarto quando vi, pela janela, Evna sentada no jardim, com uma revista aberta no colo, olhando para o nada. Devia estar pensando longe, nem viu eu me aproximar. Perguntei se estava bem, por que estava lá fora sozinha? Me disse apenas que queria tomar um ar.
Evna sempre foi de personalidade forte e imprevisível, mas andava mesmo diferente de uns dias pra cá. Distante, calada. No caso, mais calada que o normal, já que nunca escondeu seu desinteresse por nossos assuntos. Aquilo tudo a deixava enfadada, nunca escondeu isso. Mas ficava muito animada se íamos a festas com pessoas de fora ou quando falávamos de moda e de artistas. Mudava completamente de atitude! Acho que como toda jovem, ela também sonhava com aquele fantástico mundo dos filmes.
Busquei meu bordado para continuar enquanto lhe fazia companhia. De repente a percebi me olhando profundamente, sem dizer nada. Mostrei a parte acabada do bordado de flores, perguntei se gostou.
— Uhum – esnobe como sempre. Ah Evna, sempre assim! Ela era diferente, detestava essas coisas de bordar ou cozinhar. Fazia as coisas que era obrigada, e só.
Éramos mulheres de sorte, estava dizendo isso a ela e acabei não resistindo em contar o que soube noutro dia. Talvez não devesse, mas ninguém me pediu segredo e também não era nenhuma novidade. Além do mais, ela estava tão desanimada!
Falei que em breve Zudrick iria pedi-la em noivado. Imediatamente sua feição mudou. Ficou pálida, muda, paralisada, olhando para frente com os olhos arregalados. Parecia estar em choque.

— Evna? – ela não respondeu. Chamei de novo, nada. Pensei até que estivesse passando mal.

Aí uma lágrima escorreu pelo rosto branco, logo depois outra, até que ela desabou num pranto torrencial. Fiquei assustada. Abracei-a, perguntando o que houve. Demorou um pouco para ela se acalmar, daí me disse que foi a surpresa.
Claro, que idéia a minha! Todos nós sabíamos que Evna e Zudrick eram apaixonados e iam acabar se casando. Mas não se dá uma notícia dessas assim, é sempre muita emoção para uma moça saber disso. Devia ter contado com mais jeito. Quem diria que debaixo dessa casca toda existia uma menina sonhadora e romântica!
Logo ela já parecia bem, ainda silenciosa, mas animada e com olhos vivazes. Pediu licença e foi lavar o rosto.
Voltei para os meus pontos, acho que apesar do susto ela ficou feliz, e eu também: este bordado estava ficando lindo!

[Este texto faz parte de um exercício proposto na Oficina de Iniciação a Criação Literária, a qual estou participando, ministrada pelo excelente professor Robertson Frizeiro.]




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