quarta-feira, 5 de junho de 2013

O Choque - Evna


[Femme au jardin - Théo van Rysselberghe - 1862-1926]

Era um dia de tédio, como todos os outros naquela época. Tivemos visitas e assim que pude fugi para o jardim com uma revista. Estava distraída quando Mirella chegou.
Ela perguntou se estava tudo bem comigo – já que eu estava lá fora isolada. Respondi que sim, tinha ido só tomar um ar. Mas a verdade é que não estava. Era um dia como qualquer outro, repleto das mesmices que eu estava bem acostumada – e farta – só que eu acordei me sentindo estranha, mais angustiada do que de costume.
Buscou a bolsa e veio sentar-se ali, para continuar seu bordado enquanto conversávamos. Ou melhor, enquanto ela conversaria e eu fingiria algum interesse.
Olhei para Mirella entretida com seus afazeres, comentando qualquer coisa em que eu não estava prestando nenhuma atenção. Ah, como ela era linda! Uma beleza tão lânguida, suave e dramática como das musas do cinema. Sempre a invejei por isso, era muito mais bonita que eu. Sempre foi.
É claro que nunca a deixei saber disso, aliás, nem ela nem ninguém. Confessava no máximo para mim mesma. E muitas vezes me alegrava secretamente por ela ser assim tão tola.
Ironicamente, foi quando ela disse que éramos mulheres de muita sorte, por termos encontrado bons homens e tudo mais, que meu sentimento de frustração aumentou.
Seguiu falando sobre o quanto estava feliz com o casamento recente e com o marido, que era um homem simples, mas honesto e de muitas outras qualidades. E que eu logo também estaria, porque ela soube que Zudrick certamente iria propor algo a meu pai.
Ouvir aquilo foi um choque! Eu, noiva?! Senti como se o chão faltasse aos meus pés, por um momento achei que fosse desmaiar.
É verdade, eu apreciava a adoração que ele tinha por mim. Deixar as esperanças dele se alimentarem foi uma forma que eu encontrei de não chamar a atenção. Mas eu não queria casar com ele! Nem com ele nem com nenhum daqueles homens dali!
Meu mundo foi implodindo e uma realidade óbvia surgiu diante dos meus olhos. Já havia passado muito tempo. Essa era a dura verdade: ele nunca voltaria. Eu estive apenas me iludindo. Todas as desculpas que eu havia me dado durante esse tempo por ele não ter me levado junto logo de partida, ou não ter escrito mais, se desfizeram naquele instante.
Era isso: eu estava condenada! Meus pais adoravam Zudrick, bastava que ele fizesse o pedido e meu destino estaria selado.
Atônita, estava chorando sem perceber. Mirella me abraçava gentilmente e perguntava o porquê. Tratei de me acalmar, disse que fui pega de surpresa e me emocionei, só isso. Não sei se ela acreditou, mas fiz o melhor que pude. Isso também já não tinha importância, em breve eu seria como ela, só que amargurada como aquela doce menina jamais sonharia em ser.
Meus sonhos acabaram de se estilhaçar nas pedras daquela calçada. O que ele queria de mim, já teve. Eu fui muito boba! Ninguém viria me salvar.
A menos que eu... não, – afastei aquele pensamento – isso seria muita loucura. Mas também não poderia existir loucura maior do que viver essa vida pacata de boa esposa! Eu precisava agir logo...
Mesmo o mais raro dos diamantes nunca será uma jóia preciosa enquanto estiver escondido nas paredes da mina.

[Este texto faz parte de um exercício proposto na Oficina de Iniciação a Criação Literária, a qual estou participando, ministrada pelo excelente professor Robertson Frizeiro.]




<----- Clique para ver mais postagens dessa categoria.





Nenhum comentário: