quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Piracicaba, o início da Ditadura Cristã no Brasil



Foi com grande estarrecimento, seguido de profunda indignação, que tomei conhecimento das notícias citadas logo abaixo. Vi-as na página do facebook de uma amiga, que assim como eu, teme ao assistir o início fatídico da instauração da Ditadura Evangélico-Cristã no Brasil.

Não que isso seja grande surpresa, pois há tempos vimos presenciando movimentos e articulações nesse sentido acontecendo em diversas partes do país.

Há tempos que o Estado, que nunca foi realmente laico, ameaça perder seus últimos poucos traços de laicidade. Há tempos que esses movimentos deixaram de limitar-se ao âmbito religioso pra interferir diretamente na política, e por consequência nas leis e no Poder Público, impondo pouco a pouco o fundamentalismo dos seus dogmas para a sociedade.

Mas pela primeira vez um fato indiscutível é registrado e noticiado por jornais e programas de televisão.

Um regimento está nos sendo empurrado goela abaixo! E nele consta que tudo quanto não esteja de acordo com os interesses ou fuja do padrão imposto pelas religiões evangélicas será, inicialmente atacado, pra depois ser reprimido e em seguida perseguido, como bem se pode ver nas notícias que seguem.

Isso aconteceu aonde? Lá mesmo! Na cidade chamada Piracicaba. Lembra dela? Não faz muito tempo que ela foi palco da tentativa de se instituir uma lei municipal (proibindo sacrifício animal) que impedia diretamente a continuidade das atividades dos terreiros de candomblé na cidade, sob pena de multa.

Àqueles que há pouco tempo atrás reviravam os olhos e viam como exagerada as prenuncias de que estaríamos caminhando para a formação da República Evangélico-Fundamentalista-Cristã do Brasil, eu peço a gentileza de olharem as notícias abaixo e me explicarem o que pode estar acontecendo, se não exatamente isso?





Noticia no Jornal de Piracicaba

Notícia no site G1-São Paulo

Será que você viu a mesma coisa que eu?!

Vamos recapitular: um cidadão, no pleno exercício dos seus direitos, se nega a levantar-se para a leitura de um trecho da bíblia, durante a abertura de uma sessão da Câmara dos Vereadores de uma cidade. Diante disso, é solicitado que ele se retire do recinto. Ele, novamente no exercício dos seus direitos, se recusa a sair. Então é acionado o uso de força militar para retirá-lo dali. Sob o argumento de que ele estaria comprometendo a segurança da sessão.

Confesso que eu estou pasmo! Mas espere, vamos do começo:

1- Por que motivo é instituída a leitura de um trecho da bíblia na abertura de uma sessão da Câmara? Baseado em quê? Desde quando isso é necessário, apropriado ou mesmo cabível em uma audiência de um órgão público? Por acaso a bíblia tornou-se a Nova Constituição ou algum outro livro de leis reconhecidas pelo Estado e ninguém avisou a população?

2- Quando foi que cerimônias de cunho religioso passaram a ter status de solenidade, repito, em ambientes do PODER PÚBLICO? Para que a pessoa que se negar a ficar de pé seja vista e tratada da mesma forma como que se negasse a fazer o mesmo na execução do Hino Nacional? Não me admirará se este último for revisto e ganhar algum teor “gospel” em breve!

3- Que tipo de risco à segurança estava apresentando aquele cidadão que, bem se pode ver no vídeo, estava desarmado e sentado no plenário? O que justifica ele ser retirado contra vontade por policiais dali?

4- Qual o motivo do incômodo com o rapaz que estava registrando o ocorrido, já que supostamente estava-se “somente cumprindo as ordens do Presidente em conformidade com o regimento interno da casa”?

5- Como é que vereadores/militares/funcionários/etc assistem a uma barbaridade dessas passivamente?

Talvez todas essas perguntas respondam-se num único sentido: o brasileiro é altamente desincentivado a conhecer as leis que regem sua vida particular, pois isso acarretaria inúmeros problemas para a classe governante. Mas é obrigado a doutrinar-se pela bíblia e pelos princípios, ditos “cristãos”, já que estes pregam obediência cega e submissão, que convenhamos, é muito mais interessante para quem nos governa nesse ritmo de total desrespeito.

A liberdade individual vem sendo sumariamente cerceada por esse movimento. O seu direito de livre credo e culto está sob ataque constante. Sejam quais forem as suas opções de vida, uma vez que sejam contrárias a esses ideais, em breve deixarão de ser apenas “mal vistas”, alvo de preconceito incitado e propagado livremente, para serem então “contra a lei”. Qual lei? A que está valendo: a lei da alienação evangélico-pentecostal-bíblico-fundamentalista-cristã!

Nós, os que estamos dentro do exercício dos nossos direitos garantidos por lei, mas fora do padrão que está sendo imposto por religiosos no âmbito público desse país, precisamos nos manifestar, e logo!

No silêncio da nossa indiferença, o monstro de uma nova ditadura está nascendo e acabará por devorar de vez a frágil liberdade que temos...




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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Vem, o tempo urge!

Sou acordado pelo estranho som de passos lentos, que se arrastam em minha direção. O ar está pesado, enegrecido, intoxicante. Cheira a mofo, velho, morto... Respirar dói.

Meu corpo jaz inerte, denso como chumbo. Mover-me exige muito esforço. O leito é conhecido, mas tenho certeza de que nunca o vi. Será que ainda durmo?

O vulto negro se aproxima. Meus olhos entorpecidos não distinguem dele mais do que uma figura embaçada.

O cabo da foice, que me golpeia a espalda, por fim me desperta. E junto dele o som trovejante daquela voz quase metálica: “Vamos acorde! Eu voltei!”

Meus ossos doem. Parece que são estes, ao invés dos ouvidos, que escutam e estremecem com aquela terrível voz! Que prossegue resmungando:

“Ainda assim, sempre sonhando...”

Levantando-me com esforço, posso agora distinguir melhor aquela figura cinzenta que segue lentamente até a mesa posta logo ali. Olho em volta, na busca instintiva de reconhecer o ambiente. Discorrem alguns momentos até que minha mente consiga compreender o que está ocorrendo.

No reduto aposento do meu interno, coisas se acumulam por todos os lados. O Velho desvia das minhas lembranças espalhadas pelo chão, o pé esquelético arrastando-as para fora do seu caminho, num gesto de total desdém. Não, ele não se importa com elas.

Meneando a cabeça desaprovadoramente, ele afasta para o lado algumas outras coisas que ocupam a mesa, me dizendo:

“Quanta porcaria tem guardado! O que pensa que vai fazer com tudo isso?”

Ai, que voz terrível ele tem! É a voz do tempo, que sussurra ecos do passado nos ouvidos da consciência. Ouvi-la é sentir a devastação do quanto já se passou, de quanto dele se perdeu, de tudo que não se fez. A frustração de tudo quanto poderia ter sido, mas não foi e já não poderá mais vir a ser, simplesmente porque o momento certo se perdeu, repetidas vezes.

Não respondo a pergunta pendente, pois esta dispensa réplicas. A maior inquietação está no que a presença dele aqui significa: Saturno retorna. Um ciclo todo se cumpriu. O tempo passou. A hora da verdade chega. O tribunal está instaurado e aquela pergunta inquisidora é inevitável: o que eu fiz desse tempo todo?

“Vem, o tempo urge!” – intima-me, pousando uma ampulheta sobre a mesa.

“O Senhor do Tempo tem pressa. Que ironia!” – digo ao me sentar diante dele.

Não aprecio sua visita. Desprezo-o, não nego. Não vejo em sua presença nada além de opressão e sofrimento. Após um breve instante de silêncio, Saturno retoma o assunto como que querendo mostrar-se interessado:

“Então, o que tem feito?”

“Vivido.”

“Claro.”

“Com alguns percalços... mas dizem que o tempo cura tudo, não é?”

“Não sei. Dizem isso?” – devolve, fitando-me profundamente.

Eu ainda não tinha atentado para aqueles olhos, verdadeiros abismos feitos de um negrume vazio. Buracos negros a consumir tudo que viram. Seu olhar enigmático me atravessa, percorrendo-me a alma. Até que, assumindo um tom grave, ele diz:

“Tenho fome.”

“Fome? Como assim?” – indago confuso.

A resposta surge num gesto surpreendentemente ágil pra aquela aparente morbidez. O Velho crava a mão ossuda no meu peito, invadindo-o. Terror! O choque me petrifica.

“Vamos ver o que temos aqui.” – diz ele, enquanto remexe dentro de mim como quem procura coisas numa bolsa. Saturno quer saciar sua fome alimentando-se das minhas experiências.

À medida que sua busca prossegue, cenas minhas são revividas, memórias obscuras já esquecidas no passado voltam à tona, um filme passa na minha cabeça.

“Sempre as mesmas coisas...” – resmunga, tomando uma ou outra forma estranha e mastigando-as aborrecido.

“O que você esperava? Foste cruel comigo!” – respondo revoltado.

“Criança tola, não entende que é a poda que permite crescer?!”

Não, não entendo. Só sinto o peso daquela presença, a dor do meu peito sendo dilacerado naquela cena insólita.

“Ah!” – anima-se de repente –“Ao menos conheceu o amor!”

Levando à boca aquela forma delicada, parece-me que alguma vida começa a preencher o olhar enegrecido. Devora-a avidamente com uma expressão de deleite.

“Fale-me dos seus sonhos.”

“Para que? Você irá destruí-los de qualquer forma.”



“Destruir? Não!” – replica espantado – “Sou eu que te cedo a chance de realizá-los!”

Permaneço olhando-o sem entender a afirmação. Estranhamente noto que aquela figura temível e assombrosa começa a querer ganhar ares mais agradáveis, alguma beleza parece surgir aos poucos naquele semblante antes tão sombrio. Pacientemente ele explica:

“Só a consciência da finitude traz sentido real às coisas. Faz com que valham a pena. É a visão dos limites que faz com que se possa realizar algo. Lança as bases para uma construção concreta. O tempo passa levando embora as ilusões. Só o que é real permanece. O que é verdade em você se mantém intacto. Aquilo de há de mais forte em você é o verdadeiro. O que realmente te move, te constitui e te define, é intocável. O resto sucumbe. Afinal, do que você é feito? Essa é a pergunta que eu trago!”

Estou perplexo. Sinto-me absolutamente pequeno nesse momento. Tenho vergonha de ter tamanha ignorância. Ele prossegue enfático:

“Tuas ilusões e anseios desmedidos é que te podem frustrar. Volto pra te lembrar da tua humanidade e de toda a satisfação que se pode alcançar dentro desta condição limitada. Todo o resto pode te mentir, eu apenas trago a verdade.”

E a verdade liberta! Esse entendimento aniquila todo o peso que eu estava sentindo. A forma horrorosa que eu via nele transmutou-se numa beleza tenaz. Lembrar de ser apenas humano, nada mais. A certeza da finitude é uma benção. Sou tomado por uma sensação de relaxamento, prazerosa, às beiradas do sono.

“Descanse, eu logo vou. Estou só de passagem. Você também.”

Vejo o fio de areia escorrendo continuamente na ampulheta sobre a mesa. A pergunta me transborda pela boca:

“Ainda tenho tempo?”

“Talvez. Não o desperdice mais.”

Minhas pálpebras pesam, não há como resistir a corrente de tranquilidade que me invade. Não há por que resistir. A última coisa que ainda consigo ouvir antes de desligar completamente, é carregada de um sotaque peculiar, em tom jocoso:

“Carpe Diem...”


[Meu abraço faterno a todos aqueles que estão passando ou vão passar em breve pelo retorno de Saturno.]




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