segunda-feira, 15 de abril de 2013

Parisienne

O antigo depósito de velharias, na parte mais alta do edifício, fora também convertido em dormitório desde que o lugar tornara-se pensão. Para alcançá-lo havia uma penosa escada pelo lado de fora. Agradou-lhe este, mesmo assim.

O papel de parede rosa, rudemente aplicado, disputava espaço com o cinza das infiltrações, manchas aquareladas que aumentavam a cada chuva. O cheiro da umidade constante era camuflado sob o aroma dos perfumes baratos que ela espalhava por tudo.

A mobília era um conjunto de itens corroídos pelo tempo, esquecidos ali por não terem mais utilidade ou por estarem quebrados. Tal como o velho lustre que ela encontrou soterrado entre a muamba e aquele rapaz, gentilmente, prontificou-se a instalar no lugar da deprimente lâmpada que pendia solitária do teto.

Entre esses móveis , totalmente fora de época, um era especial: o toucador. Daqueles com um grande espelho oval – manchado – e uma banqueta com rasgos no estofado. Ali estavam depositados os artifícios da sua vaidade. Seu primeiro camarim.

O guarda-roupa – assustadoramente grande para o vazio dos seus pertences – aos poucos era preenchido com a generosidade dos franceses.

Acima da cabeceira da velha cama, ao invés da figura de algum santo para proteger-lhe, os rostos glamourosos de Bardot, Deneuve e Taylor compunham sua trindade mais que santíssima.

Dentro do baú grande de madeira, debaixo de muitas revistas, sepultou as lembranças que trouxera consigo. E sobre este, na vitrola, os clássicos de Piaf embalavam a afirmação de sua identidade de moça parisiense.


A pequena janela que se abria dali para o mundo, respiro único da rosada clausura, deixava ver lá longe, em meio ao tapete de telhados, a imponente Dama de Ferro. Pudera ter escolhido entre outros, inclusive melhores, mas este era o único de onde podia assistir a Dama-Torre reinar absoluta sobre a cidade. Eiffel, lindo nome.

Jamais se perderia à deriva nesse mar de incertezas, pois seu farol orientador estava sempre lá. Poder acordar e vê-la dali, era como espiar o sonho pelo buraco da fechadura.

Os degraus lá fora rangeram com a chegada de alguém. Jogou o robe vermelho sobre os ombros, conferiu a aparência no espelho e quando fosse abrir para o visitante, ainda escorada na porta, estenderia a mão numa pose ensaiada: Mademoiselle Eiffel, enchantée.


[Este texto faz parte de um exercício proposto na Oficina de Iniciação a Criação Literária, a qual estou participando, ministrada pelo excelente professor Robertson Frizeiro.]




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